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Trio 3-63 

CD Sambatown, 2009
por Arthur Nestrovski

 

“Radamés y Pelé.” O título da primeira faixa serve de senha para entrar nesse disco, em que se cruzam tantas coisas com a naturalidade ao mesmo tempo espontânea e artificiosa daquele “y”. Os maestros do piano e da bola são homenageados por Tom Jobim como outros tantos Orfeus da Conceição, num campo em que não existe mais diferença entre alto e baixo, grego e carioca, muito menos preto e branco. Melhor dizendo: as diferenças se completam e se somam, numa mistura brasileira que aqui pelo menos, na música, resolve suas contradições de modo iluminado e exemplar. O disco leva a sabedoria do “y” à última potência. Onde mais se teria coragem de gravar, no mesmo álbum, um lundu de Joaquim Callado (1848-80) e uma peça como o “Chronos II”, para flauta e efeitos eletrônicos, de Roberto Victorio (n. 1959)? E essas lado a lado com os “Motivos Nordestinos” do mestre percussionista da OSB, Luiz D’Anunciação (n. 1926), que aqui vira vizinho não só de uma pequena virtuosística fantasia de Guerra-Peixe (1914-93), mas de dois lundus de Pixinguinha (1897-1973)? Mas tudo é tão natural para o Trio 3-63, tudo feito com tanto engenho e empenho, que se torna natural também para quem escuta. Cada um deles três sempre viveu cruzando fronteiras, falando várias línguas da música. O pianista Paulo Braga, para começo de conversa, criador do celebrado Departamento de Música Popular do Conservatório de Tatuí (SP), nos idos de 1990, e professor no Centro de Estudos Musicais Tom Jobim (grande escola estadual de música, em São Paulo), também ganhou reconhecimento pelo trabalho com o Trio Bonsai, com Mônica Salmaso e com Arrigo Barnabé – com quem lançou em 2008 o CD Ao Vivo em Porto –, para ficar só nessas parcerias recentes. Além disso, compõe: veja-se a linda hermeticaegbertica “Nhonhô da Botica”. Marcos Suzano, um dos percussionistas brasileiros de maior renome dentro e fora do país, companheiro musical de artistas como Gilberto Gil, Lenine, Carlos Malta e Pife Muderno, Sting e Joan Baez, exerce ainda as funções de diretor artístico do Festival Percpan e apresenta oficinas regularmente na Europa, no Japão e nos EUA. Toca sem parar, do Norte ao Sul: em 2007, lançou Satolep Sambatown com o compositor e cantor gaúcho Vítor Ramil e o CD solo Atarashii. Na sua música, o pandeiro é irmão do sampler: tudo ganha um corpo ao mesmo tempo inusitado e ancestral, renascido no terreiro eletrônico. Sobre a flautista, antes de dizer qualquer coisa, é melhor ouvir. Qualquer exemplo serve; podemos ficar com um bem do começo. Faixa 1, 8s. Nessa e nas duas notas longas seguintes, desenhando o final da segunda frase de “Radamés y Pelé”, o que ela faz são três crescendos, cada um levemente maior e diferente dos outros, cada um com sua dose delicada de vibrato, que se vai impondo de dentro para fora até que o som dispara nos dribles verticais de notas curtas correndo a escala de alto a baixo. Detalhes como esse se multiplicam a cada compasso de cada faixa. Cada um traz em si uma história da música, concentrada e renovada, levando adiante com fôlego todo próprio a tradição que começa justamente com Joaquim Callado, passa por nomes como Patápio Silva, Pixinguinha e Altamiro Carrilho, e hoje vive como nunca em Andrea Ernest. “Fôlego” é bem o termo, não só porque estamos falando de flauta. Para quem já tocou de tudo – seja com a OSB, seja com o Pife Muderno, seja interpretando Moacir Santos com o Ouro Negro, seja participando de discos de Caetano Veloso, Chico Buarque, Edu Lobo e Milton Nascimento, entre muitos outros, seja gravando um repertório de peças eletroacústicas brasileiras e francesas (a sair em 2009), seja ainda no antológico CD de Choros Amorosos (também no prelo) –, todo segredo e toda beleza da música parece que agora convergem para o simples ato de soprar. Mas o ato não tem nada de simples: só vira arte quando faz parar o tempo, como ela faz, respirando a pulsação da música, e reiventando a nossa pulsação. Um mais um mais um é igual a três; mas três são um. Só quem conhece tanto pode chegar, como eles, a tal espontaneidade. E só quem está tão à vontade na música, em todas as músicas, pode misturar tantas cantigas assim. Começa com Tom Jobim. Termina com Pixinguinha. Entre um e outro, são mundos, mil brasis, onde a gente agora vai se perder e encontrar de novo, espantado, encantado, feliz.

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